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Pega Essa Dica – Volveréis

Volveréis, de Jonás Trueba, é uma obra agridoce que tenta reinventar o romance moderno justamente a partir de sua negação: e se o fim de um relacionamento fosse celebrado com uma festa, como um casamento ao contrário? Com roteiro coescrito pelos próprios protagonistas, Vito Sanz e Itsaso Arana, e uma assumida camada metalinguística, o filme se apresenta como uma anti comédia romântica — autorreferente, filosoficamente ambiciosa e, em certos momentos, excessivamente autocentrada.
A ideia central, inspirada numa observação do cineasta Fernando Trueba — pai de Jonás, que surge num breve cameo —, oferece um ponto de partida refrescante e promissor. Ale (Arana), uma cineasta, e Alex (Sanz), ator em formação, decidem encerrar seus 14 anos de relação com um evento para amigos e familiares. O filme que se segue é uma espiral de conversas, hesitações e pequenas epifanias, tudo embalado em uma atmosfera intimista que beira o documental. A câmera nunca se esconde, os cortes são discretos, e há sempre a sensação de que estamos assistindo a algo que acontece no limiar entre o real e o encenado — o que, claro, é parte do jogo.


Trueba mergulha fundo no cinema sobre o próprio cinema: Ale monta, dentro da diegese, o mesmo filme que estamos vendo, reforçando o caráter autorreferente da narrativa. Há ecos evidentes de Bergman, citações diretas a Kierkegaard, resquícios da comédia clássica americana e até um comentário malicioso sobre Blake Edwards. O resultado é um filme que pode seduzir os cinéfilos, mas corre o risco de alienar espectadores menos familiarizados com essas camadas.
Trueba também opta deliberadamente por não oferecer uma evolução dramática: seus personagens não mudam, nem são obrigados a encarar verdades dolorosas. Há ternura, há química — especialmente entre Sanz e Arana, cuja cumplicidade é palpável —, mas também uma sensação constante de circularidade que, embora estilisticamente justificável, limita o impacto emocional. Tudo gira, repete-se, retorna. A previsibilidade do desfecho, já insinuada no próprio título (Volveréis, ou “voltarão”), elimina a tensão: não há real sensação de perda, tampouco de transformação. O filme prefere a ironia à catarse, a melancolia leve ao drama profundo.


Visualmente, porém, Volveréis encontra força. A fotografia de Santiago Racaj compõe uma Madri discreta, quase íntima, longe dos cartões-postais — e há momentos de beleza contida que sustentam o tom de crônica urbana. Ainda assim, por mais que a encenação seja precisa e o texto afiado, o longa carece de um verdadeiro risco emocional. Em vez de cortar, afaga. Em vez de provocar, apenas insinua. É tudo muito elegante — talvez até demais.
Volveréis é, no fim, um filme que encanta pela inteligência e pela forma, mas que hesita em sujar as mãos com o que há de mais visceral no fim de uma história de amor. Como exercício de linguagem, é memorável. Como experiência humana, deixa uma curiosa sensação de vazio. E talvez seja esse o ponto: nem toda separação dói. Algumas apenas ecoam — e voltam.

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